sexta-feira, agosto 20, 2010

Alpargatas azuis...

Minha professora da primeira série me escolheu para falar uma poesia no dia do soldado na frente de toda a escola!...Eu tinha então 7 anos de idade, muita timidez, alguns medos e apenas 1 par de sapatos, que minha mãe guardava para as "ocasiões especiais". E esta com certeza era para mim uma ocasião especialíssima! 
Faltavam alguns dias para a apresentação e minha ansiedade quase não me deixava dormir pensando na poesia e claro, nos sapatos que minha mãe insistia em me entregar apenas no dia do evento, "você já viu os sapatos, não precisa ficar olhando sempre, acaba deixando por aí e estragando!", como assim?!...se eram os únicos que eu tinha!!! perder???estragar por que??? eu me perguntava sob o olhar estranho que meu pai lançou para mim e minha mãe.
Meu pai era mecânico de automóveis, trabalhava duro para sustentar a família. Eu e minha irmã ganhávamos muitas roupas de minhas primas mais velhas, mas sapatos, que sorte! elas calçavam números diferentes dos meus e não era possível reformá-los como as roupas. Por conta disso, eu tinha duas sandalinhas para ir à escola e este par de sapatos, que eu  havia  visto no dia de Natal, presente de Papai Noel, quando fomos à missa do galo, uma missa que sempre me dava sono, mas não ousava dormir, medo dos beliscões de minha mãe...ah, e também os calcei na minha primeira comunhão, outro episódio que ainda terá um destaque por aqui...
Lembro-me da alegria e do orgulho que sentia na véspera da apresentação, quando falei a poesia inteira decorada para a professora e recebi um elogio acompanhado da recomendação de ir bem vestida, pois uma autoridade não sei de onde estaria lá para assistir, nossa!!!!quanta responsabilidade!
O banho que tomei naquele dia não foi mais demorado porque me lembrei que finalmente eu reveria meu presente de Natal, aquela preciosidade que em poucos minutos estariam vestindo meus pés ansiosos por algo diferente de um par de sandálias.
Calcei as meias com pressa e quando minha mãe me deu a caixa, meu coração parecia até bater mais forte, eu me sentia uma princesa sendo preparada para sua coroação, sei lá!!
Ao tocar naqueles sapatinhos brancos, uma sensação boa me invadiu, acho que meu rosto queimava de felicidade...felicidade esta que começou a diminuir na primeira tentativa de encaixar aquele objeto no meu pé..."seu pé cresceu rápido! e o couro do sapato ainda não cedeu!", exclamou minha mãe tentando forçar a entrada do sapatinho naquele que já não podia ser chamado de "meu pezinho".Andei então pela casa inteira com aqueles calçados apertadíssimos"para acostumar" e minha mãe dizendo que eu iria com eles de qualquer maneira, os dedos parecendo querer explodir ali dentro, o relógio dizendo a hora de ir, minha mãe já meio furiosa com as minhas lágrimas. Por um segundo ela sumiu e apareceu novamente  com uma tesoura grande que usava em suas costuras.Desajeitadamente, sentou-me na beira da mesa grande que ficava na cozinha e com uma expressão decidida que nem meu pai contestaria, tomou de assalto o par de vilões e sem piedade, cortou-lhes as duas pontas...."pronto!" dizia ela, enquanto me enfiava de novo aquele estranho par de calçados que agora deixavam à mostra meus dedos cobertos pelas meias, os mesmos sapatos brancos que até então eram guardados a sete chaves, para que nada de ruim pudesse atingí-los...
Claro que reclamei na hora! a decepção, meus medos e a minha timidez gritavam por mim, eu não queria ir à escola com aqueles sapatos cortados, não naquele dia!! ninguém ouviria o que eu tinha a dizer, aquela poesia tão carinhosamente decorada, mas olhariam sim para os meus pés!!eles seriam a atração!!..." é isto ou o chinelo!!!" vociferou nervosa minha mãe e eu sabia que ela estava também decepcionada por proteger tanto uma coisa que acabaria assim...sem uso....
A hora era de ir para a escola, não de lamentar...eu tinha um compromisso, apesar de já estar até pensando em ter uma febre, uma dor de barriga, ou sei lá o que para não ter que encarar a tal inspetora me olhando com meio sapato.
Caminhei para o portão da casa sentindo lágrimas molharem meu rosto, em silêncio! não adiantava reclamar ou argumentar, era o sapato assim ou a minha velha sandália.
Meu pai fechou o portão por trás de mim , tomou- me a mão, o macacão sujo de graxa , levando-me em silêncio, como se respeitando minha desventura...aquele caminhar para a escola nunca foi tão doloroso.Os pés que, mesmo com meios sapatos, ainda doíam e a minha tristeza por toda aquela esquisitice....
Espantei-me quando meu pai saindo do caminho que levava à escola, seguiu me levando até uma loja e me comprou um par de alpargatas fiado, azuis da cor da saia do meu uniforme e novinhas!!!! meu Deus, como eram lindas!!!! e como eu me senti feliz, quase voava de tanta alegria!!!...meu pai era sim um herói!!!
A festa foi linda, eu e meu belo par de alpargatas novas fizemos bonito na frente de todos e na volta pra casa eu decidi que não iria mais à aula sem elas...
Minha mãe fez um discurso contra, meu pai coitado foi xingado durante dias, ela era fogo quando se sentia contrariada, mas sei que no fundo gostou da atitude do velho, pois acabou permitindo que eu mesma cuidasse daquele lindo par de alpargatas azuis, mesmo recomendando por dias que eu tomasse cuidado, pois ainda não estavam pagas.Ahhhhh!! e eu cuidei....sabe que até hoje eu amo usar alpargatas? inclusive tenho um par que uso sempre para sair por aí, quando quero andar relaxada...lembrando o quanto é maravilhoso ser simples...

5 comentários:

  1. Oh minha amiga Olívia!!!
    Tantos anos e a história aqui...contada com saudades,tristezas,alegrias.
    Muitas vezes nossas vidas tem dificuldades mas sempre são ultrapassadas.
    Muitas lembranças do pior e do melhor...
    Foi um pouco cômica sua história...hehehehehe
    Foi de simplicidade!!!!
    Sempre temos algo de bom e ruim em nossas vidas sempre!
    Eu também usei lembra....na escola aquelas "percatas" com calça cocota!!!!
    Hehehehehe adorava também!!!
    Belas lembranças!!!
    Deus te acompanhe sempre!!!!

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  2. Obrigada pelo carinho e fofo kmt. Amei sua visita e desejo sempre mais. Seu texto foi incrívl e me fez recordar de várias coisas. Valeu a pena, voolte sempree. Bjus

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  3. Que lindo, Olívia!
    Vi um pouco meu pai em seu pai, acho que ele tomaria a mesma atitude.

    Amei!

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  4. Hoje e somente hoje,consegui o tempo que eu queria prá ler "Seu conto"! Como foi bom esperar por isso!Vc havia me falado sobre ele há um tempão e o tempo foi passando ! Mas era tão bom saber que vc tinha algo prá eu ler!Te juro:esperei esse momento como alguém espera por um presente,uma surpresa!Eu sabia que algo lindo me esperava,mas tinha que ser uma hora especial ,que o destino prepararia para mim!Deus é lindo!É bom!Consegui abrir meu presente!E ,mais uma vez,Olívia n me decepcionou!É sempre surpreendente,como se cada um fosse único!Ou o melhor de todos!Eu sempre digo:esse é o melhor de todos!Mas aí vc escreve outro e eu já me apaixono pelo mais novo sempre!Como eu pude ficar sem vc a vida toda????
    Obrigada por todos esses presentes maravilhosos que vc me proporciona!!!!
    Agradeço a Deus por ter te dado esse dom sem usar medida!Agradeço a Deus por vc ser tão autentica !Sua simplicidade é genuina!E rara!Tão preciosa,minha amiga!
    Amei!Não consigo achar palavras prá descrever,mas meu coração...n precisa disso!Estou maravilhada!
    Obrigada,Olivia!

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